Chá com Granola
 



Cronicas

Chá com Granola

Victória Elsner


É cedo, estou em casa, pantufas calçam meus pés e uma manta enrola meu pescoço. Chimarrão é sempre bem-vindo, por isso, a água já está sendo aquecida e colocada na térmica; pego a cuia e, por fim, a erva-mate. Vou fazer um chá para me aquecer - mas já não fiz o chimarrão? Chove lá fora e o vento está gelado. Dia nublado, coração apertado e, na janela, o verde da natureza. Minha perna está trêmula. Faculdade é uma grande loucura, mas combina comigo porque sou sempre louca, não importa onde, quando, quanto ou por quê... Já volto, preciso fazer esse chá, um chá de maracujá.

Voltei aqui enquanto a água ferve; sim, por puro desassossego. Tenho provas para fazer nesta semana, vou falar sobre aquilo que aprendi no semestre inteiro. E ainda tenho possibilidade de consultar o material, ou seja, tudo está na mais perfeita harmonia, porém a mente vem e fica de conversinha comigo e aí sinto como se tudo estivesse prestes a desmoronar. Fazem dias que quero escrever, mas a inquietação toma conta e não me deixa fazer nada além de andar de um lado para o outro. Ah, preciso ver se a água já aprontou, já volto, mas antes, um devaneio:

Será que é errado simplesmente escrever sobre o que der vontade, somente pelo prazer de ver as palavras se unindo? Se for, sou errante com prazer, pois essa escrita cura, e essa cura é quem verdadeiramente me escreve. Sou casa, minhas paredes são rabiscadas e nesses rabiscos habitam inúmeras histórias ainda não contadas.

Ok, o chá está pronto, fumegante e ao meu lado, preenchendo a caneca que ganhei de meu namorado. O trecho saiu rimado, mas saiba que foi planejado. Na internet, uma imagem com frase clichê: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Mas já vou dizendo: só em ler algo assim minha ansiedade eleva tanto que, ao dar-me por conta, também estou comendo granola com Nescau, e eu só iria tomar um mero chimarrão. São tantas coisas para pensar, tantos “e se?”. Como um pouco da mistureba maluca e sei que eu não deveria achar isso gostoso, rio. Estou aprendendo a não me levar tão a sério. Depois, vou terminar de assistir a revisão do conteúdo e... mais chá, pede meu corpo. O dia está tão geladinho, eu amo frio. Então por que tento me aquecer? Deve ser porque, na verdade, não amo o frio e sim me arroupar.

Criar essa estação exige da Terra uma inclinação em direção ao Sol de tal forma que os raios solares sejam capazes de incidir de modo oblíquo sobre o hemisfério afastado, resultando em temperaturas mais gélidas. Nossa, fazer inverno dá uma trabalheira do cão, mas o considero promotor de um grande evento: a conexão com emoções e sentimentos profundos, uma vez que a reflexão e o recolhimento são maiores quando o frio chega. Fico mais nostálgica, e sei que há algo muito precioso em guardar memórias. A mente é uma incrível invenção divina. É o lugar da atividade psíquica, e engloba operações conscientes e não conscientes. Não é, portanto, algo material – uma coisa –, mas algo invisível e que não se pode tocar. A prova disso é: nesse frio, o que mais faço é recordar do quão bom é ficar no quentinho das cobertas até tarde. O prazer que isso causa transcende qualquer entendimento, e é aí que mora o mistério.

Dito isso, é autoexplicativo o fato de meu único telespectador e ouvinte ser esse chá de maracujá, que, além de me ver, também adentra, tornando-se parte de mim.

Quem me lê, também já acreditou mais na frase do comecinho, onde aleguei sofrer de doidice aguda, mas, quem me enxerga, sabe que sou só uma casa com paredes compostas por notas escritas sem esmero (modo pomposo para falar “rabisco”). Onde uma xícara – a “Herz” – uns dias com chá, outros dias vazia, habita. Onde também se consome granola com Nescau, e, ah... a tal ideia de ser a mudança que gostaria de ver ocorrendo por aí também é muito debatida... mas só às vezes, né? Sempre fica meio complicado... eu tenho que estudar e dormir um pouquinho.


Victória Elsner - autista com TDAH, 25 anos, estudante de Letras e professora de Língua Inglesa. Sua primeira publicação foi um livro de poesias, intitulado "Entre Amarras e Nós". Participa do Curso Online de Formação de Escritores

 

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